Martha de Hollanda, a raiz do voto feminino em Pernambuco: do título de eleitora à candidatura em 1933

Martha consegue votar e lança sua candidatura no “ato final” da série. Apesar da sua trajetória ter sido apagada, ela marca nome na política e até hoje é inspiração para outras mulheres

Martha de Hollanda, a raiz do voto feminino em Pernambuco: do título de eleitora à candidatura em 1933

Por Felipe Holanda e Victor Gouveia

O dia 3 de maio de 1933, há exatos 92 anos, entrou para história da política pernambucana. Martha de Hollanda chegara ao que parecia ser seu ápice, às Eleições. Não só votou como foi votada para o cargo de deputada federal, mesmo sem partido, já que a Legislação permitia candidaturas avulsas na época.

“Nem todos os partidos aceitavam mulheres. A grande maioria não aceitava. Marta foi sem partido porque não conseguiu um para acolhê-la. E isso é muito grave. Hoje em dia ela não poderia nem se candidatar, porque no regime legal não pode se candidatar sem partido”, salienta Cida Pedrosa, vereadora do Recife pelo PCdoB.

Martha não se elegeu como deputada federal, mas ali dava um passo gigantesco para a inserção feminina na política pernambucana. Tornou-se a primeira candidata do estado, ao lado de Edwiges de Sá Pereira, do Partido Economista de Pernambuco. Somando pleitos de 1º e 2º turno, 30 deputados se elegeram. Todos homens.

Na época, as urnas ainda eram de ferro e de madeira. Nesse modelo, os eleitores usavam cédulas para votar. A urna eletrônica só veio ser implantada no Brasil em 1996.

Sementes de um futuro incerto

As sementes plantadas por Martha, aos poucos, viraram frutos colhidos por outras mulheres. “Martha é uma inspiração. Só estou aqui hoje porque muitas ‘Marthas’ estiveram antes de mim. As mulheres que estão aqui hoje são frutos de suas ancestrais feministas. E ela é uma das nossas pioneiras”, adiciona Cida, com propriedade no assunto.

Nascida em Bodocó, no Sertão do Araripe, Cida é estudiosa do feminismo no estado. A parlamentar foi a primeira mulher de Pernambuco a vencer o Jabuti feminista, em 2020, com “Solo a vilarejo” levando o troféu de livro do ano.

Se na capital pernambucana a sufragista é lembrada como pioneira, em Vitória de Santo Antão, contudo, Socorro Santos, do Centro das Mulheres da cidade, aponta a tentativa de apagamento da história de Martha. Lá, de acordo com ela, todos os holofotes apontavam para Mariana Amália do Rego Barreto, conhecida como a “Voluntária da Pátria”. Ela teria sido enfermeira de campo em algum período da Guerra do Paraguai (de 1864 a 1970), arrancando orgulho e principalmente homenagens da população vitoriense.

“Uma jovem que tinha ligações com o exército e foi para a guerra como enfermeira. Tem uma rua como o nome dela, uma avenida, um colégio. Aqui tem ‘tudo’ de Mariana Amália. Mas Martha de Holanda ‘engoliram’, esconderam a história linda que ela construiu. Espero que as mulheres que ainda estão na luta, em pleno século XXI, não tenham suas histórias escondidas”, dispara, esperançosa.

Em Vitória de Santo Antão, não há nenhuma Rua, Avenida ou monumento em homenagem à Martha, enquanto parentes de graus distintos, como ex-prefeito Manoel de Hollanda Cavalcanti e o escritor Henrique de Hollanda Cavalcanti, têm a honraria.

Socorro alega que Vitória é uma cidade que esconde seus verdadeiros heróis. “Se for mulher, aí eles escondem mesmo. Está aí a prova. Eu ouvi falar pela primeira vez de Martha de Hollanda pela doutora Cristina Buarque, que era Secretária da Mulher do estado de Pernambuco, do Governo de Eduardo (Campos, de 2007 a 2014). E olhe que tenho 72 anos, nem sou nenhuma analfabeta política.”

Herika Araújo, candidata à prefeitura de Vitória de Santo Antão em 2020, segue na mesma linha de raciocínio. “Vitória não conhece sobre a história de Martha, porque a própria família fazia de tudo para esconder. Martha era uma pessoa ‘escandalosa’, acredito que ela incomodou muito a família, a vizinhança, a igreja. Então, quando a gente entra na história dela, a gente vê o quanto ela escandalizou ao questionar o comportamento das mulheres que eram criadas para ser recatadas e do lar”, evidencia.

Se o comportamento de Martha era motivo de chacota para alguns, Herika enche o peito e se orgulha: “Foi motivo de vergonha para muitas pessoas naquele momento. Foi preciso, posteriormente, surgir uma geração com mais consciência política, com mais educação, para entender o pioneirismo de Martha. E não era vergonha, era motivo de orgulho. É, até hoje. Para todas as mulheres”

Herika Araújo integra o projeto “Vitoriosas”. Foto: Cortesia

Os últimos passos na terra

Se a genialidade de Martha de Hollanda durou pouco, pode-se dizer que o azar é do mundo. Em 24 de junho de 1950, aos 47 anos, ela morreu de infarto no Recife e fez questão de não deixar nem seus ossos em Vitória. Pediu à irmã, Maria Belkiss, que seus restos mortais fossem deixados no Cemitério de Santo Amaro, área central do Recife. Belkiss foi a única familiar de Martha no velório, segundo relatos.

Atestado de óbito de Martha de Hollanda. Foto: Arquivo/Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb)

Fala-se que Belkiss deixou um busto de Martha no túmulo. No entanto, a reportagem encontrou um buraco aberto e nenhuma alusão à Martha no jazigo, localizado no Muro Oeste do Cemitério de Santo Amaro, no terço 14.

O jazigo é de responsabilidade da Comissão Arquidiocesana de Intervenção das Irmandades e Confrarias e foi violado ao longo dos anos.

Cida Pedrosa mostrou-se surpresa ao saber que o cemitério não carrega nenhuma homenagem à Martha. Com isso, a vereadora se comprometeu a protocolar um requerimento para valorizar os feitos de uma de suas principais fontes de inspiração, tanto na política quanto na cultura.

Se um busto de Martha de Hollanda foi colocado por Belkiss no cemitério, o outro foi doado ao Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão (IHGVS). O instituto, inclusive, tem um acervo de relíquias relacionadas a Martha, guardado a sete chaves pelo presidente Pedro Humberto Ferrer em sua sede, na Rua Imperial, nº 187.

Busto de Martha na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

O sobrado onde Martha nasceu, construído em 1817, foi tombado pelo Governo do Estado como Monumento Vitoriense e Patrimônio Histórico de Pernambuco.

Martha se foi, mas outras tantas mulheres surgiram na Política

O Brasil elegeu a primeira mulher em 1928, no Rio Grande do Norte, terra que um ano antes concedeu o primeiro voto feminino da América Latina a Celina Vianna – abrindo assim jurisprudência para Martha e outras mulheres do país que reivindicaram seus títulos eleitorais.

Quatro anos depois, a Justiça passa a enxergar a mulher brasileira como cidadã. Em 1932, o primeiro Código Eleitoral garante alistamento feminino em todo território para mulheres acima de 21 anos e com profissão lucrativa. Em 1934, a segunda Constituição da República assenta esses direitos.

Ainda em vida, Martha conseguiu acompanhar o reflexo da sua cruzada. Em 1945, Adalgisa Cavalcanti se elege deputada estadual e passa a representar as mulheres na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Dois anos depois, Júlia Santiago se torna a primeira vereadora do Recife.

Ao logo dos anos, o movimento feminista ganhou força com a participação política e sobrevive ao Estado Novo de Vargas e, futuramente, ao golpe militar de 64. Em 1997, a Lei das Eleições institui a reserva de candidaturas femininas para os cargos de deputada e vereadora. Com a virada do século, a primeira minirreforma eleitoral, em 2009, passa a obrigar que a cota mínima de 30% de candidaturas femininas aos partidos e coligações.

Cerimônia de posse de Dilma Rousseff, primeira presidenta do Brasil. Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

No ano seguinte, 60 anos após a morte de Martha, o Brasil elegeu sua primeira presidenta, Dilma Rousseff. Atualmente, cerca de 52% do eleitorado brasileiro é feminino, o que corresponde a mais de 81 milhões de mulheres aptas ao voto. Contudo, o levantamento das últimas eleições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que apenas 34% das candidaturas são femininas. Dos 69.156 cargos eletivos que estavam disponíveis, só 12.380 foram preenchidos por mulheres, o equivalente a 18% dos eleitos.

Cristina Tavares foi a primeira deputada federal a representar Pernambuco. Foto: Arquico/Câmara dos Deputados

Depois de Adalgisa e Júlia, em 1952, a presidenta da Câmara de Macaparana, Anita Moraes, segue com o avanço na política em Pernambuco ao assumir a prefeitura do município. O cargo que Martha pleiteou em 1933 só é preenchido em 1978, quando Cristina Tavares é eleita a primeira deputada federal de Pernambuco.

Em 2018, os pernambucanos apoiaram o projeto de Luciana Santos na disputa ao Governo e a elegeram como a primeira vice-governadora do Estado. Também é Luciana que concretiza mais um feito ao comandar uma pasta na Explanada dos Ministérios, em 2022. Ao aceitar o desafio, a gestora passou a ser a primeira pernambucana ministra e a primeira mulher da história a assumir a pasta de Ciências, Tecnologia e Inovação.

Raquel Lyra e Priscila Krause na cerimônia de posse do mandato. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Ainda em 2022, setenta e dois anos após a morte de Martha de Hollanda, Pernambuco escolhe Teresa Leitão como a primeira senadora e coloca Marília Arraes e Raquel Lyra no 2º turno da disputa ao Governo do Estado. A eleição terminou com a vitória de Lyra, que levou consigo a vice Priscila Krause para a primeira gestão 100% feminina no Palácio do Campos das Princesas, marcando, assim, o ápice da revolução iniciada em 1930.

Confira todas as matérias da série: