Discurso da equidade de gênero não prevaleceu na escolha do vice de João Campos
João Campos, que pregou a equidade de gênero na última campanha, escolheu um homem para ser seu vice nesta eleição
agosto 10, 2024 - 8:35 am
Em 2020, a tônica do debate nacional era a equidade de gênero e a liberdade da mulher nos espaços da sociedade. Esse discurso certamente faria diferença nas eleições daquele ano e o então candidato João Campos (PSB) aproveitou para propor compromissos importantes. Passados quatro anos, o primeiro gesto da sua campanha de reeleição foi tirar uma mulher da vice para indicar um homem.
O prefeito tinha uma missão difícil em sua estreia nas eleições municipais. O contexto pediu uma candidata para assumir a Prefeitura do Recife pela primeira vez na história e Marília Arraes (Solidariedade) se apresentou como esse nome.
No meio da ‘arenga’ familiar que foi aquela eleição, João conseguiu equilibrar a pauta de gênero com dois movimentos interessantes. Primeiro, antecipou que metade do seu secretariado seria feminino. Em seguida, anunciou Isabella de Roldão (PDT) como vice para garantir a representatividade na foto do palanque. A aliança com o PDT, de quebra, tirou um concorrente que vinha fazendo barulho na época, o deputado federal Túlio Gadêlha, que abandonou o partido após ser sacado do pleito.
Após o destaque dos quatro anos à frente da Prefeitura, João Campos chega em 2024 em condições seguras de reeleição. O conforto eleitoral que sua gestão conseguiu para este ano também possibilitou deixar a o discurso da equidade de gênero em segundo plano.
Sem repetir a dobradinha com Roldão, o prefeito não quis dividir a campanha com uma mulher e deu espaço para o amigo de infância e ex-chefe de gabinete, Victor Marques (PCdoB). Sem espaço em meio a tantos movimentos políticos, a opção para a vice-prefeita foi dar uma pausa na carreira por tempo indeterminado.
Para o cientista político Arthur Leandro, da UFPE, se João Campos fosse fielmente alinhado à equidade de gênero teria deixado o plano de reeleição de lado. “A rigor, se João estivesse radicalmente comprometido à equidade de gênero, ele renunciaria a condição de candidato à reeleição e apoiaria uma candidata para encabeçar a chapa do PSB. Seria uma forma mais extremada de fazer valer a equidade de gênero”, comentou Leandro.
“Ele poderia ter trabalhado um pouco mais para encontrar um nome feminino, mas esse compromisso com a equidade de gênero ficou em segundo plano diante das condições concretas”, avaliou.
Do ponto de vista simbólico, ele também poderia ter mantido uma mulher na composição. Inclusive, um dos nomes ventilados era o da secretária de Infraestrutura, Marília Dantas. Ela se filiou ao MDB e chegou a ter a exoneração no Diário Oficial junto com Victor Marques, mas todo esse esforço serviu apenas para manter o mistério sobre a escolha de João Campos.
Na visão de Arthur Leandro, o interesse do PSB foi manter a Frente Popular próximo de si, e esse apoio dependia de uma decisão pragmática.
“Esse nome poderia ter sido feminino, mas o que provavelmente pesou não foi o fato de ser um homem, mas o fato de que ele estava em uma posição no tabuleiro político estadual que o catapultou a essa condição. O PSB decidiu em cima de uma série de limitações, foi um jogo delicado esse de indicação a vice, e a pessoa que estava nessa condição foi um homem”, complementou o cientista político.