Anatália de Souza, vítima das crueldades da ditadura militar

Nos 60 anos do início da ditadura militar no Brasil, relembre a história de Anatália de Souza, potiguar que foi torturada e morta no Recife

Anatália de Souza, vítima das crueldades da ditadura militar

Fotos de Anatália quando foi presa, no regime militar. Foto: Reprodução/CNV

A ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985, e lembrada nesta segunda-feira (1º), marcou a história do país em diversos aspectos. Mas o que mais choca, até os dias atuais, foi a maneira com que muitas pessoas morreram e desapareceram durante o regime. De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, 434 pessoas morreram ou desapareceram, entre os anos de 1946 e 1988. Elas são vítimas políticas do período em que os militares tomaram o poder no país. 

Uma dessas vítimas é a potiguar Anatália de Souza Melo Alves, militante e filiada ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Anatália morreu no dia 22 de janeiro de 1973, na Delegacia de Segurança Social de Pernambuco, no Recife, vítima de estrangulamento. No entanto, a retificação da causa de sua morte na certidão de óbito levou mais de 40 anos, pois o registro inicial foi suicídio. 

Porém, sua morte, assim como de muitas outras mulheres na época da ditadura militar, teve a marca da violência sexual. Isso mostrou, por meio de laudos médicos da época e relatórios mal explicados, a crueldade que acontecia nos porões das dependências que pertenciam às autoridades vigentes no período ditatorial. 

Circunstâncias da morte  

Anatália, assim como seu marido, Luiz Alves Neto, e José Adeildo Ramos, todos militantes do PCBR, foram levados de suas residências, em Gravatá, no Agreste do estado, no dia 17 de dezembro de 1972. No registro da prisão, contudo, constava que a captura e encarceramento ocorreram apenas no dia 13 de janeiro de 1973, quando chegaram ao Departamento de Ordem e Política Social do estado de Pernambuco (DOPS), local da morte de Anatália, nove dias depois.  

Apesar de ter constado em sua certidão de óbito o laudo de suicídio, médicos legistas registraram em fotos sinais de queimaduras de 2º grau na região do baixo ventre. Seria, portanto, uma forma de esconder os resquícios de um estupro consumado, que teria acontecido antes ou depois de sua execução. Além disso, os legistas encontraram marcas de estrangulamento no pescoço da vítima, comprovando que sua morte não foi por enforcamento. 

De acordo com o relatório da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC), Anatália foi vítima de abusos sexuais por agentes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em seus últimos momentos de vida. “Anatália Melo Alves, segundo testemunho dos seus companheiros, foi vítima repetidas vezes de violência sexual perpetrada por vários de seus torturadores, entre os quais, Luiz Martins Miranda, conhecido como um dos mais violentos e sádicos elementos da repressão”, diz o texto. 

Mulheres torturadas e mortas na ditadura militar 

A CEMVDHC, organizada pelo governo do estado, contabiliza mais de 19 mil documentos. Entre eles, comprovantes de pagamento de indenizações, e laudos de óbitos de presos políticos, que foram torturados e mortos no período da ditadura militar. 

Assim como as comissões estaduais, a CNV atuou para resgatar e registrar o que de fato aconteceu durante o regime militar. Entre centenas de mortos e desaparecidos, os sobreviventes foram as principais testemunhas nas oitivas da comissão, na segunda década dos anos 2000. A Comissão da Verdade teve sua instituição no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que foi militante durante a ditadura. Rousseff foi capturada pelos militares, presa e torturada, por três anos. Sua condenação na época se deu por subversão e participação de grupos de guerrilha. 

Em 2008, quando era ministra da Casa Civil, participou de uma sessão no Senado em que um parlamentar a acusou de ter mentido para os ditadores. Em sua reposta, Rousseff afirma que foi “barbaramente torturada” no tempo em que esteve presa. “Qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para interrogadores compromete a vida de seus iguais, entrega pessoas para serem mortas. Eu me orgulho de ter mentido, senador, porque mentir na tortura não é fácil”, declarou a então ministra.