60 anos da ditadura: como está a relação da política com as Forças Armadas?
O LeiaJá conversou com o cientista político Rodolfo Marques, que analisou as ameaças a democracia e a relação da política nacional com as Forças Armadas
março 31, 2024 - 8:00 am

O presidente Lula e militares Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Os 60 anos do golpe militar, lembrados neste domingo (31) traz reflexões para o atual cenário político do país. Com as discussões da data ganhando fôlegos um ano após a invasão a Praça dos Três Poderes – manifestação arquitetada por trama golpista contrária ao resultado das eleições de 2022 –, o LeiaJá conversou com o cientista político Rodolfo Marques, que analisou as ameaças a democracia e a relação da política nacional com as Forças Armadas.
Governo Lula e militares
Com o início do seu terceiro mandato marcado pelo 8 de janeiro e pelo acampamento de opositores em frente aos quartéis, Lula hoje já começa a enxergar, junto a sociedade, as primeiras consequências enfrentadas por quem incitou o golpe.
De acordo com Rodolfo Marques, a relação do mandatário com os militares, durante esse período conflituoso, foi de instabilidade, não só por causa as manifestações que tentavam abalar a democracia, mas também devido a forte ligação de líderes das Forças Armadas com o ex-presidente Bolsonaro (PL).
Relembrando as relações dos poderes durante os dois últimos meses de 2022, o cientista político citou que alguns generais “não queriam participar da posse de Lula e reconhecer o resultado das urnas”.
“Todas as teorias conspiracionistas e anti institucionais de Bolsonaro acabaram espraiando por alguns setores relevantes das Forças Armadas. Algumas lideranças foram influenciadas e entraram nesse contexto do golpismo bolsonarista”, disse.
Desgaste da imagem
Mesmo após os desgastes na imagem dos militares, devido a associação com o governo Bolsonaro (PL) e com atos golpistas, Lula vem tratando as Forças Armadas como “forças de Estado”, segundo o estudioso.
“Lula trata como deve ser, considerando as forças armadas como forças de Estado. O presidente da República é o comandante em chefe das forças armadas. Essa é uma das funções que ele tem quando está no exercício do cargo. Ele é também chefe de Estado chefe de governo e chefe geral da administração pública. Então Lula faz uma relação de Estado”, explicou.
O cientista também afirma que o presidente optou em “recuar”. Esse apaziguamento assegura que o governo não buscaria “vingança” e se abstém de responsabilizar militares que aderiram ideias da gestão anterior. Vale ressaltar que, no momento, Bolsonaro é investigado por tentativa de golpe.
Dias após as cenas de manifestantes golpistas depredando as sedes dos Três Poderes, Lula nomeou o general Tomás Paiva – militar que chamou a vitória do petista de indesejada – como novo Comandante do Exército. Além disso, na inteligência, fortemente abalada pelos ataques de 8 de janeiro, o presidente retirou dos militares a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas manteve o Gabinete da Segurança Institucional (GSI) com o Exército.
Militares e a tentativa de golpe
Se a trama golpista de 2022 não conseguiu fazer com que o Brasil revivesse os 21 anos de ditadura militar, ela alcançou prestígios de figuras do núcleo de oficiais da alta patente
De acordo com a investigação da Polícia Federal, o ex-comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos, foi o único dos três comandantes do fim do governo Bolsonaro a ter colocado a tropa à disposição para um golpe de Estado. Freire Gomes, do Exército, e Baptista Junior, da FAB, teriam rechaçado a ideia.
A investigação informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que Garnier participou de reunião no Palácio da Alvorada, em 7 de dezembro de 2022, na qual Bolsonaro discutiu com chefes militares e auxiliares uma minuta de decreto golpista.
“Recuo estratégico”
Não citando nomes de suspeitos da trama golpista, Rodolfo Marques acredita que mesmo com as novidades reveladas nas investigações da Polícia Federal, Lula está tendo uma boa postura ao adotar uma relação de pacificação com as Forças Armadas.
“Ele tenta exatamente apaziguar ou fazer conciliação. Lula foi eleito também em um contexto de frente ampla e de conciliação então a pacificação tem que ser um passo importante. Ele vem agindo corretamente nesse sentido”, pontuou.
Silêncio sobre a ditadura
Outro assunto comentado por Rodolfo Marques foi a ordem do governo Lula em não permitir atos cívicos relacionados ao golpe de 1964. O intuito do líder petista é evitar atritos com as Forças Armadas.
“Não fazer uma alusão agora a ditadura é uma forma de Lula não criar novos problemas ou travar novas questões a respeito do assunto. No entanto, temos que lembrar com muita tristeza do que ocorreu, principalmente por sabermos que muitos dos torturadores do período autoritário não foram punidos. Houve uma anistia ampla”, afirmou o cientista político.
Em 27 de fevereiro, Lula disse, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, que deve passar a data “da forma mais tranquila possível” e que vai evitar “remoer o passado”. A declaração foi mal recebida por entidades ligadas aos direitos humanos. Já no último dia 13 de março, o líder petista mandou cancelar um ato que relembraria a luta de resistência de pessoas perseguidas. O evento estava marcado para ser realizado no próximo domingo (31), aniversário do golpe, no Museu da República, em Brasília.
Na ditadura, Lula foi preso em 19 de abril de 1980 por ter promovido uma greve dos metalúrgicos do ABC paulista, Na época, ele foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, e ficou detido por 31 dias.
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