Primeira constituição faz 200 anos, o que mudou de lá para cá? 

Foram sete textos da Constituição desde a primeira, há 200 anos. Mas afinal, qual a importância da Carta Magna para a construção do Brasil?

Primeira constituição faz 200 anos, o que mudou de lá para cá? 

A primeira constituição brasileira foi assinada por Dom Pedro I, em 1824. Foto: Reprodução/TV Senado

A primeira Constituição brasileira data de 1824, assinada pelo então imperador Dom Pedro I, e completa, nesta segunda-feira (25), 200 anos de sua outorga. Apesar de ter existido por 67 anos, até 1891, ela segue sendo a Carta Magna que teve o maior tempo de vigência no país. Apenas a título de comparação, a atual Constituição federal completa este ano 36 anos, no dia 5 de outubro. E para compreender um pouco a importância dos textos anteriores, o LeiaJá procurou explicar algumas características que diferenciavam a Carta Magna de 1824 para as seguintes, até chegarmos na atual. 

A princípio, o professor de história, Mardok, explica que a Constituição de 24 é considerada a primeira, mas foi uma resposta a um texto anterior, assinado por José Bonifácio. A carta de 1823 apoiava ideais republicanos mais independentes, sem dar todo o poder absoluto ao imperador. Dom Pedro I, no entanto, rejeita o texto e apresenta a primeira Carta Magna do Brasil, garantindo que a soberania nunca deixe de sair das mãos do império. “Quem passaria a ter poder, na carta de 23, era a oligarquia latifundiária e escravocrata”, resumiu o docente. 

A primeira Constituição brasileira  

Diante do que Mardok explica, é possível visualizar o que o texto da carta de 1824 reflete da realidade da época. “No texto você tem o padrão de todas as constituições da época. E qual era o padrão: ideias iluministas, votos censitários (somente a elite pode votar). Essa carta vai defender os valores de uma nova sociedade que emerge. Portanto, todos esses valores foram defendidos na Carta de 24”, pontuou o professor. 

Foram sete textos da Constituição desde a primeira, há 200 anos. Mas afinal, qual a importância da Carta Magna para a construção do Brasil?
Mardok, professor de história. Foto: Reprodução/Júlio Gomes/LeiaJá

“O Brasil foi o único país que não comprou a briga do republicanismo, todos os demais países ganharam o formato republicano. Só que o Brasil tem uma herança, com um imperador monarquista, absolutista. Portanto, essa primeira carta representou a criação do Estado brasileiro, e como o gestor era um europeu, então ele manteve os padrões do continente que era historicamente conservador. Ou seja, monarquista constitucionalista”, explanou. 

Entenda a linha do tempo das constituições no Brasil 

  • 1824 – Elite portuguesa com imperador que assume o poder 
  • 1891 – Elite cafeeira e militares, que vão fortalecer a constituição republicana 
  • 1934 – Getúlio Vargas promove uma “democracia de fachada” 
  • 1937 – Ditadura de extrema direita 
  • 1946 – Populista, presidente Dutra 
  • 1967 – Ditadura militar ratifica os interesses do governo vigente 
  • 1988 – Redemocratização 

O que mudou em 200 anos? 

Não é nova a percepção que a constituição atual no Brasil, instituída em 1988, diferente de suas precedentes, apresenta pensamentos mais coletivos. De acordo com o ex-vice-prefeito do Recife e membro do diretório do PCdoB em Pernambuco, Luciano Siqueira, o diferencial se baseia nas propostas apresentadas na época. “A Constituição de 88 é ímpar, tanto em comparação com as constituições de outros países, mundo afora, como com as próprias constituições brasileiras até então”, afirmou. 

Foram sete textos da Constituição desde a primeira, há 200 anos. Mas afinal, qual a importância da Carta Magna para a construção do Brasil?
Luciano Siqueira, membro da diretoria do PCdoB. Foto: Reprodução/Júlio Gomes

Siqueira explica que a imparidade da chamada “Constituição Cidadã” se dá pela circunstância em que ela foi criada, após o fim da Ditadura Militar. “É uma peça, é um documento muito extenso. Praticamente cabe tudo no texto da Constituição. Porque a sociedade se mobilizou de maneira intensa, foram caravanas a Brasília. Então, além de certos elementos fundantes da carta constitucional, ela incorporou reivindicações das mais diversas”, afirmou. 

Mardok, por sua vez, complementa comentando alguns pontos de crítica ao texto atual, apesar de também defender o diferencial que a Carta de 88 apresenta em relação às anteriores. “O Brasil tem um problema seríssimo: nós escolhemos funcionários e operários do poder público que não conhecem nada da gestão pública. Esse é um ato falho histórico, e que nós insistimos em manter. Ou seja, quem fez a carta de 88 eram políticos que não tinham a menor habilidade do campo legal, jurídico ou doutrinário. (…) então o texto de 88 foi moderno, mas foi prolixo, foi redundante”, observou. 

Uma nova Constituição será necessária? 

Apesar das inovações levantadas pela constituição federal de 1988, carregando consigo uma série de demandas dos mais diversos segmentos da sociedade, é comum encontrar quem defenda que o texto original já não é mais o mesmo. É o que argumenta Luciano Siqueira ao comparar com a quantidade de emendas existentes nos dias de hoje. “Se for olhar o texto vigente hoje com o texto aprovado em 88, do ponto de vista progressista, democrático, é possível dizer que a Constituição foi ‘dilapidada’, em boa parte. Não só com emendas à Constituição, mas há também um conjunto de dispositivo legais, da chamada legislação infraconstitucional, que na prática impede que muitos ideais de 88 sejam levados à prática”, ponderou. 

“É preciso que o cidadão brasileiro saiba o real valor do poder que ele tem no voto. Porque, caso contrário, vamos repetir os erros, e nós vamos ter uma nova carta, que vai ser redundante e prolixa, e nós vamos ter uma nova sociedade que vai assistir”, finalizou Mardok.