Passeata contra PL do aborto toma as ruas do Recife
Conhecido como “PL do estuprador”, projeto de lei visa equiparar o aborto legal após 22 semanas ao crime de homicídio
junho 17, 2024 - 8:36 pm

Foto: Rachel Andrade/LeiaJá
Manifestantes se reuniram, nesta terça-feira (17), na praça do Derby, área central do Recife, para protestar contra o projeto de lei (PL) 19.04/24. O texto, também chamado de “PL do aborto”, visa equiparar o aborto legal, após 22 semanas, ao crime de homicídio simples. Assim, a pena para quem realizasse a interrupção da gravidez, mesmo em caso de estupro, poderia ser de até 20 anos de reclusão. O estuprador, no entanto, segundo o Código Penal, pode cumprir pena de até dez anos.
A passeata no Recife teve a organização da Articulação de Mulheres Brasileiras, em pareceria com outros movimentos, como o Grupo Curumim. Uma das participantes é Elisa Aníbal, que também integra a Frente Estadual Pela Legalização do Aborto. Dentre as pautas defendidas pela militante, uma delas é denunciar o fundamentalismo religioso. “Por que é tão importante, desde quarta-feira, quando teve a votação em 23 segundos, estar nas ruas, ocupar as ruas? Porque a gente vem vivendo, desde o golpe de 2016, o esfacelamento das políticas pública de prevenção à violência sexual contra mulheres e meninas”, indagou Aníbal.

“Em 2022 a gente bateu o recorde de violência sexual contra meninas no país, é uma epidemia de violência sexual. Menos de 3% dos municípios brasileiros tem serviço de aborto legal. E esse PL vai criminalizar ainda mais as meninas e as mulheres que já são vítimas de violência sexual. Porque muitas delas não conseguem chegar ao serviço em tempo hábil, como eles tão querendo dizer”, continuou.
Passeata contou com diversos grupos
A concentração foi agendada para às 16h, mas antes desse horário já havia uma grande movimentação de pessoas pela Praça do Derby. Mulheres idosas, jovens, meninas, negras, brancas, lésbicas, pessoas trans, homens. A diversidade, portanto, tomou conta do protesto, como forma de se posicionar contra o “PL do aborto”.



Aborto não é raridade
De acordo com Natália Diógenes, a prática do aborto não é raro no Brasil, apesar de ainda ser ilegal na maioria dos casos. “Todos nós, todas as mulheres, conhecemos alguma outra mulher, temos até alguma história perto da nossa família. O aborto é cotidiano na vida das mulheres. As mulheres, como gestam, elas engravidam, podem continuar ou também podem interromper uma gestação. É um episódio reprodutivo muito comum na vida das mulheres brasileiras”, afirma.

A legislação brasileira permite, por meio do Código Penal, que o aborto aconteça em apenas três casos: risco de vida para a gestante; feto com anencefalia; ou estupro. No entanto, o projeto, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), prega pela anulação dessas três exceções. “O tema do aborto é um tema difícil da gente discutir com a sociedade simplesmente por causa da desinformação. Não é porque é polêmico. A questão do aborto atinge mulheres em diversos contextos, de diversas formas. A gente tá aqui na luta contra o PL, denunciando, na verdade, toda a forma como esse PL foi elaborado e colocado em votação, sem diálogo com as mulheres. Sem diálogo com a população, de modo geral, e sem se preocupar nos impactos que vai causar”, argumenta a jovem.
“Ao invés de a gente estar discutindo formas de livrar o Brasil do estupro, e proteger as mulheres, a gente tá discutindo um PL que vai agravar ainda mais todas as injustiças que as mulheres vivem. Então a gente está num cenário muito grave que a gente precisa realmente se colocar e dizer o quanto esse PL é ofensivo, o quanto esse PL impacta feitas ainda mais em relação as mulheres pobres, as mulheres jovens, as mulheres negras, as mulheres de territórios que não são urbanos”, complementa.
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Todas as mulheres contra o “PL do aborto”
Dentre as milhares de pessoas presentes na passeata, que seguiu pelo bairro da Boa Vista, estava Amanda Karaxu, com sua filha Mikaela, de 6 anos. Elas fazem parte da etnia Karaxuwanassu, indígenas de contexto urbano, que nasceram nas periferias de grandes cidades, e que cresceram, portanto, longe de suas origens. De acordo com Amanda, sua presença é fundamental para demandar os direitos das mulheres indígenas, especialmente de sua filha e de todas as crianças potencialmente vítimas do projeto de lei.

“Para mim é muito importante estar aqui hoje enquanto mulher indígena e periférica, porque a gente sabe que há mais de 500 anos são os nossos corpos que são violados. E as pessoas, os homens, que estão se achando no direito de mandar nos nossos corpos. Eu tenho uma filha de seis anos, também indígena em contexto urbano, que vive em periferia, que tá aí correndo riscos também como eu corri, enquanto era criança periférica. E eu não imagino acontecer uma coisa dessa com uma filha minha e ela ser obrigada a ter um filho de um estuprador. Já basta o trauma do estupro, de toda essa violência que a gente vive que cotidianamente, e vem esse PL para destruir, destroçar todas as mulheres”, afirma.