Hospital público em Caruaru descarta feto e terá que pagar indenização de R$ 50 mil aos pais
De acordo com a decisão, o município de Caruaru fez o descarte sem que houvesse a consulta obrigatória da mãe e do pai sobre o desejo de realizar o sepultamento do filho de forma tradicional
abril 2, 2024 - 3:53 pm

Bebê prematuro Foto: Divulgação
A Prefeitura de Caruaru foi condenada a a pagar indenização de R$ 50 mil, por dano moral, a um casal por ter feito o descarte ilegal e irregular de um feto de 20 semanas no Hospital Municipal de Caruaru – Casa de Saúde Bom Jesus. A decisão da 2ª Turma da 1ª Câmara Regional de Caruaru do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) ocorreu por maioria de votos.
De acordo com a decisão, o município de Caruaru fez o descarte sem que houvesse a consulta obrigatória dos pais sobre o desejo de realizar o sepultamento do filho de forma tradicional. O município ainda pode recorrer da decisão colegiada.
Durante o julgamento, o desembargador Paulo Augusto de Freitas Oliveira apresentou voto de divergência. Ao vencer, por maioria de votos, teve designação para atuar como relator para a lavratura do acórdão. A apelação foi interposta pelo casal contra a sentença da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Caruaru.
Petição
Na petição inicial, o casal alegou que, no dia 15 de maio de 2017, a mãe deu à luz a criança e que a equipe médica cortou o cordão umbilical. Na ocasião, a médica colocou rapidamente o feto num papel e o levou embora da sala. Dois dias antes, a gestante foi atendida relatando fortes dores e ficou internada para tratamento de uma infecção urinária. Na ocasião, foi informada que o bebê não seria viável porque estaria infectado. Depois do parto, o atestado de óbito, por sua vez, só foi fornecido pelo hospital no dia 22 de maio de 2017. O laudo estava incompleto, impedindo a emissão de certidão de óbito da criança no Cartório de Registro Civil de Caruaru.
De acordo com o desembargador, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 222/2018 da Anvisa define que fetos com 20 e poucas semanas que nascem sem vida só podem ser descartados como resíduo hospitalar se não houvesse requisição por seus familiares.
“Conforme a própria RDC Anvisa nº 222/2018, seria indispensável para o descarte que NÃO HOUVESSE REQUISIÇÃO PELO PACIENTE OU FAMILIARES. É nesse ponto em que reside falha na prestação do serviço por parte da edilidade”, destacou.
Descarte do feto sem autorização
Na avaliação do desembargador, a decisão de descartar o feto sem autorização dos pais como um “resíduo hospitalar” é uma afronta. “Caberia ao ente fazendário oportunizar aos genitores, após a vivência de momento tão traumático, a realização do competente sepultamento, o que não foi possível e jamais será”.
Para o magistrado, a falha na prestação de serviço do município violou a dignidade humana, de sorte que, apesar de não ter nascido vivo, o feto também possuía personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos de personalidade, entre eles o direito à dignidade.
“Logo, a ação da municipalidade em descartar o feto violou previsão normativa, bem como não foi razoável ou proporcional, violando a dignidade humana e aumentando o sofrimento vivenciado pela família em luto. Desse modo, restam evidenciados os requisitos indispensáveis para responsabilização objetiva do município, no caso concreto, quais sejam: ato ilícito, dano e nexo de causalidade”.
Dor dos pais pela perda do feto
O juiz mencionou que “A vida e a dignidade humana são pressupostos essenciais do estado democrático de direito e devem ser protegidos a todo custo, sendo inclusive fundamento da nossa República Federativa”.
De acordo com a decisão, “não há como mensurar a dor dos pais que perdem um filho”. Ele frisa que: “sequer têm o direito, legalmente assegurado, de realizar o seu sepultamento, ainda mais quando este teria sido tratado como “resíduo hospitalar”, sem qualquer dignidade e respeito. Os danos emocionais vivenciados pelos genitores tornam-se ainda mais penosos pela gritante falha na prestação do serviço da municipalidade. Muito além da aplicação fria da lei, estamos a fazer justiça, vetor essencial da atuação de todo magistrado, numa busca, ainda que utópica, de amenizar os danos sofridos pelos demandantes”.
Outros processos
O magistrado, além disso, citou, no voto, diversos outros processos e recursos julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ademais mencionou outros do Supremo Tribunal Federal (STF), além de enunciados e julgamentos do TJPE.
O julgamento da apelação ocorreu no dia 28 de fevereiro de 2023. Também participaram da sessão os desembargadores José Severino Barbosa, Luciano de Castro Campos, Evanildo Coelho de Araújo Filho e Honório Gomes do Rego Filho.
*Da assessoria
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