Novamente, solidariedade comunitária marca o pós-tragédia
Deslizamento no Córrego do Tiro nesta terça-feira (7) atesta mais um episódio de tragédia anunciada nas comunidades pobres e sob risco no Recife
junho 7, 2022 - 3:46 pm
No Recife, o período das chuvas que antecipam o inverno pernambucano foi marcado por registros de tragédias, perdas e muita dor. Enquanto a cidade é dominada pelas lonas pretas e o cotidiano segue após as ruas e rodovias secarem, as comunidades afetadas pelos deslizamentos de terra anuais se veem, novamente, na necessidade de se reconstruir, muitas vezes contando, em maior parte, com o próprio apoio.
Na madrugada desta terça-feira (7), um deslizamento de barreira no Córrego do Tiro, comunidade do Alto de Santa Terezinha, na Zona Norte do Recife, deixou quatro pessoas feridas e um morto. A vítima fatal foi um adolescente, com apenas 13 anos de idade. Nos relatos de moradores, as informações se repetem: sensação de descaso, abandono e esquecimento. Além de muita revolta.
De acordo com uma informação preliminar apurada pelo LeiaJá, pelo menos 14 casas foram interditadas e desocupadas na região, por risco de desabamento, além das cerca de cinco casas destruídas pela terra. Muitos dos moradores, porém, não têm para onde ir. Para amenizar a dor da perda e contornar o desalojamento dos populares, os organizadores da Igreja Batista do Córrego do Tiro, que funciona há 60 anos na comunidade, cederam o espaço para 22 pessoas desalojadas por causa das chuvas.
“A igreja sempre abre quando acontece algo assim, quando é necessário, até para o velório da comunidade. Ainda mais agora que aconteceu isso e a gente está se sentido bastante solidarizado pelo pessoal. Moro aqui desde que eu nasci. É muito triste esperar uma oportunidade dessas para falar. São muitas pessoas sendo atingidas e poucos recursos vindo”, declarou Ana Paula da Silva, de 49 anos, que auxilia na coordenação da igreja.
A Coordenadoria de Defesa Civil do Estado de Pernambuco (Codecipe) está em contato com a igreja para mapear todos os desalojados, desabrigados e poder controlar o envio de recursos. O órgão deve enviar, ainda hoje, alimentação, colchonetes, cobertores e os demais materiais necessários para acolher as famílias. De acordo com a organizadora, os cultos devem continuar no local, para dar suporte emocional às vítimas.
“Esse é o momento que a gente tem que levar amor e carinho pro pessoal. Apesar de tudo, é preciso dizer que ainda existe amor no coração do povo. Ajuda a amenizar. Num momento desses, só o que a pessoa precisa é de um ombro amigo para ajudar. Fazemos isso com o coração na mão, mas garantindo que todos que cheguem aqui sejam abraçados. Somos irmãos”, continuou Ana Paula.
Para onde ir?
A determinação de saída, realizada pela Defesa Civil nesta terça, foi com prazo imediato, pois o risco de novos desabamentos na região é alto. Após a tragédia, os moradores não resistiram à saída, mas o sentimento de abandonar tudo o que foi construído não se torna menos amargo, apesar da preservação da vida.
“Foi um grande estrondo, um abalo, muitos gritos. Aquele desespero. Faz tempo que a gente procura a prefeitura. Prefeito vem aqui, vereador vem aqui, só em época de eleição e só pra prometer. Fizeram ali uma barreira sem necessidade nenhuma, a casa já foi interditada, e não mora ninguém. Aqui, disseram que não vão fazer, por falta de verba. E a nossa vida, vale quanto?”, desabafa Elisângela Jessica, de 32 anos, nascida e criada no Córrego.
A moradora, que divide o lar com outras sete pessoas — as duas filhas, o marido, a avó, a irmã, o cunhado e a sobrinha —, agora não ter um lugar definido para ir e deve buscar abrigo na Igreja Batista.
“É triste, a gente não sabe nem o que fazer. Não desejo essa situação nem pro meu pior inimigo. Gera revolta, tristeza, dor; não sei nem explicar, porque é tudo junto. Poderia ser evitado, e agora é uma tragédia dessa. Tenho medo pela minha vida, dos meus filhos, da minha avó, que tem dificuldade para andar. Como a gente ia correr? Quatro da manhã e a gente gritando aqui, correndo, na chuva”, concluiu.
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Nota da Prefeitura do Recife
A Secretaria de Saúde do Recife informa que uma unidade de suporte avançado, duas de suporte básico e um veículo de intervenção rápida do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) Metropolitano do Recife foram acionadas para fazer o socorro às vítimas do deslizamento no Córrego do Tiro na manhã de hoje (7). Dois adultos foram resgatados com vida e encaminhados para unidades de saúde da capital. A Secretaria de Saúde do Recife lamenta a morte de um adolescente de 13 anos devido à ocorrência.
A Prefeitura do Recife informa que irá abrir a escola Ricardo Gama, que fica na circunvizinhança, para abrigar temporariamente as famílias atingidas pelo deslizamento no Córrego do Tiro, onde o atendimento será integral, com oferta de acolhida para dormir, alimentação, assistência social, de saúde e mental, aplicação de vacinas, realização de consultas e oferta de medicamentos e receitas. Equipes da Assistência Social estão no local para prestar apoio às famílias atingidas e a Defesa Civil atua na avaliação do risco das casas para interditar as que não apresentam mais condições de habitação no momento.
A Defesa Civil orienta a população que mora em áreas de risco a procurar locais seguros e que pode ser acionada pelo telefone 0800.081.3400. Atualmente a Prefeitura do Recife oferece 18 equipamentos em funcionamento provisório como abrigos e pontos de apoio, sendo 9 unidades de ensino municipais funcionando como abrigo.
*Com informações de Jameson Ramos