Walter de Afogados ressurge como trilha sonora da juventude pernambucana

Com mais de 50 anos de carreira, as músicas do cantor são passadas de geração em geração

Walter de Afogados ressurge como trilha sonora da juventude pernambucana

Walter de Afogados é considerado uma lenda no cenário do brega. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Há bens que são repassados de geração em geração, como um tesouro de família. É assim que o legado do cantor e compositor Walter de Afogados, 72 anos, tem se perpetuado. O artista vive um novo auge na longeva carreira e é inegável: o Rei do Salão se tornou parte da trilha sonora da juventude pernambucana.

São 53 anos de carreira, entoando canções que falam sobre amores, desilusões, iguarias famosas do estado, negritude e tantos outros temas que compõem sua trajetória. Hoje, é possível observar um novo grupo de fãs que declaram seu amor nada secreto ao artista.

“Ouvir Walter de Afogados é reviver memórias da minha adolescência, momentos que vivenciei junto ao meu pai, familiares e amigos”, afirma a auxiliar de reservas Kamila Lira, 26 anos. Ela também disse como teve contato com o artista: “Conheci através do meu pai, que sempre que podia escutava músicas nesse estilo. Não só meu pai, como a maior parte da minha família. Isso fez com que eu criasse interesse em ouvir suas músicas”.

Com mesmo carinho, a universitária Jéssica Dahab, 26 anos, relatou sua história com o cantor. “Sempre escutei brega antigo, por conta dos meus pais e vizinhos. Aqui na minha comunidade, Walter é bem popular na casa de várias pessoas. Quem me apresentou quem era o cantor por trás dessa voz marcante foi minha mãe”, conta.

Ela ainda destaca uma memória afetiva que a acompanha: “Ano passado, ele fez um show aqui no meu bairro, numa festa de São João e foi incrível a energia. Todo mundo começou a dançar, ele levou alegria para festa e muito carisma”.

Amanda de Afogados administra a carreira do pai. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Em uma análise, Amanda de Afogados, filha e empresária do artista, explicou que essa chegada de ouvintes mais jovens vem acontecendo há dois anos e que isso tem a ver com a união entre a nova e antiga geração de cantores do brega. “Teve agora o Novembro Brega, que estava lá os ‘boyzinhos’ tudo novinho, mas também tinha a antiga geração, que até saiu no Galo da Madrugada, e lá estava painho representando”, relembra.

Amanda também ressaltou o respeito que os ‘boyzinhos’ têm pelo legado do pai: “Todo mundo elogiando: ‘poxa, é uma lenda’; ‘é um ícone do brega’ e isso é massa.” Entre os nomes citados, Tocha, Anderson Neiff e MC Dread ficaram em destaque e podem ser as colaborações futuras de Walter de Afogados. Recentenmente, a música “A bola da vez” foi regravada em parceria com Jorge Music, no gênero piseiro.

Shows pela cidade

Entre os nove discos de estúdio, a juventude tem preferência pelo álbum Sonhos dos Sonhos, lançado originalmente em 1987. Os hits Ilumina, Morango do Nordeste e Menu Baiano são os sons mais pedidos nas apresentações do cantor.

E foi assim que aconteceu no bar Pega Liamba, no bairro das Graças. O público com perfil descolado surpreendeu o cantor que não imaginava ter fãs jovens e com repertório na ponta da língua.

“Tudo 100%, tudo legal. Eles cantavam comigo. Mas eles queriam mais o disco antigo [EP Morango do Nordeste]. Era eu cantando outras músicas e eles [cantando]: ‘A cor do amor é a cor da natureza’, Ilumina, e depois [dessa] foi o Morango do Nordeste”, relembrou o cantor, que já realizou três apresentações no local.

O sócio e curador musical do bar, Bidu Alves, 34 anos, falou sobre o compromisso de restaurar a raiz do brega. “O resgate dos artistas é sempre muito bem recebido pelo nosso público. Acaba se tornando um show nostálgico, em um espaço altamente atual. Vejo que a cada ano que se passa o brega toma rumos variados, deixando os bregas antigos ainda mais contemplativos”, afirmou.

O disco Sonhos dos Sonhos foi lançado 1987. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

No Carnaval do Recife, Walter subiu ao palco do Rec Beat, um dos polos mais frequentados da festividade, e que reúne atrações nacionais e internacionais. Ao LeiaJá, o Rei do Salão relatou um episódio inusitado que o impressionou na entrada do evento.

“Assim que eu cheguei, tinha um cara com um cartaz enorme: ‘Walter, nós viemos da Itália só pra ver teu show’. E eu fiquei: ‘Será que é verdade isso, meu Deus?’ E ele me abraçou e tirou foto junto”, disse o cantor.

Apesar de ter gostado do Rec Beat, o artista lamentou o tempo ter sido reduzido de 40 para 20 minutos de apresentação. “Gostei muito, fiquei muito lisonjeado no Rec Beat. Só não gostei muito do foi o meu tempo. Porque eu ia fazer quarenta minutos”, lamentou.

Amanda de Afogados, filha e empresária do artista, explicou que a situação foi causada pelo trânsito, que ganhou outras dinâmicas de funcionamento no período carnavalesco. “A gente se dedicou tanto, ensaiamos tanto, mas infelizmente o que prejudicou realmente foi o nosso translado pra gente chegar”, disse.

Ela afirmou que chegou a chorar nos stories, em que denunciou a ineficiência do acesso livre: “Para que serve esse acesso livre da Prefeitura se eu estou com um artista, que está quase perdendo o show, porque não está tendo acesso. Ele queria mostrar realmente o show, porque a gente fez um repertório especial”.

Mesmo com o contratempo, as canções de Walter de Afogados ressoavam no Cais da Alfândega, no bairro do Recife. Em uma postagem, o artista demonstrou sua gratidão: “Obrigado Deus por tudo que vem acontecendo na minha vida! Queria muito ter feito meu show completo, mas eu já estou muito grato a Deus por este espaço.”

E completou: “Ver o rosto de cada um de vocês me olhando com gratidão e cantando comigo do começo ao fim me fez acreditar ainda mais em mim, no meu potencial, isso me deu mais força pra continuar na batalha fazendo o que eu mais amo na minha vida, cantar e encantar a todos com minhas músicas!”

Confira os registros do Rec Beat: