Intervalo bíblico sai da escola, ganha as redes sociais e é tema de audiência
Rodas de oração, pregações e músicas religiosas se tornaram corriqueiras dentro do ambiente escolar da rede estadual de Pernambuco
dezembro 6, 2024 - 2:23 pm
Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
Rodas de oração, pregações e músicas religiosas se tornaram corriqueiras dentro do ambiente escolar da rede estadual de Pernambuco. Organizados pelos alunos e, geralmente, realizados durante o horário do almoço, os intervalos bíblicos (IBs) ganharam notoriedade nas redes sociais e até foram tema de audiência pública promovida pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) no final de novembro.
A prática não é novidade na rede estadual. Contudo, conforme relatos de estudantes ao Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Pernambuco (Sintepe), ganhou um tom de “culto” e passou a contar, em algumas ocasiões, com instrumentos musicais e presença de pastores.
O Ginásio Pernambucano, localizado na Rua da Aurora, na área central do Recife, é uma das instituições do Estado a realizar o intervalo bíblico. Em entrevista ao LeiaJá, o estudante Jorge Alexandre argumenta que a prática é antiga na escola. “Conheço pessoas que já têm 40 anos e dizem que na época que estudavam [no Ginásio Pernambucano] já havia um grupo da escola, que são cristãos, e que se reuniam para ler a bíblia, orar. Então, é algo muito antigo”.
Na instituição, o intervalo bíblico é realizado sempre às quintas-feiras. “Sempre no horário do intervalo, nunca no horário da aula”, reforça Jorge. O grupo se reúne no auditório do colégio. “A escola libera [o auditório] e nós temos um dia específico. É tudo organizado e combinado com a escola. Então, nós temos o acesso ao auditório e, quando terminamos, temos que devolver da mesma forma, com a mesma organização”, explica Ana Beatriz.
Questionados sobre o quantitativo de participantes, os estudantes se ativeram a responder que o IB conta com “um grande número de alunos”. “Por ser um ambiente acolhedor, como consequência, vai alunos não apenas cristãos. São pessoas que encontram ali um ambiente de empatia, de amor, a qual é a base do evangelho. Os alunos chegam de uma forma no auditório e ouvem uma palavra, recebem uma oração e saem de uma forma diferente”, ressalta Jorge Alexandre.
“O intervalo bíblico é uma necessidade nossa como cristão. Nós estudamos em uma escola integral, passamos mais tempo no colégio do que na nossa casa. Então, a gente sente essa necessidade de se reunir para falar sobre o que cremos, sobre a bíblia, sobre evangelho e o amor”.
Os estudantes defendem que a prática não é um privilégio, como também ninguém é obrigado a participar dos encontros. “Nós não vamos de sala em sala. O nosso IB tem um perfil no Instagram, com as informações sobre dia e horário. Logo, os alunos que quiserem e se sentirem bem em chegar, participam do momento e vão ser bem acolhidos porque é um ambiente muito acolhedor”, garante Jorge.
Por uma escola laica
Acusado por parlamentares da bancada evangélica de querer proibir o culto bíblico em escolas estaduais, o Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Pernambuco (Sintepe) se diz vítima de fake news, como também favorável ao ensino religioso. Contudo, “sem proselitismo”.
Em setembro deste ano, o sindicato foi convocado pelo MPPE, juntamente com a Secretaria de Educação e Esportes (SEE), para se pronunciar sobre um procedimento administrativo que acompanha o tema do ensino religioso nas escolas da rede pública estadual, com foco no estado laico e na ampla liberdade de crença.
Na ocasião, conforme explica a presidenta do Sintepe, Ivete Caetano, foi citado que a organização recebeu algumas reclamações de estudantes sobre o intervalo bíblico. “Teve vários relatos de casos de vivências religiosas problemáticas. Houve uma situação de realização de procissão valendo nota. Alguns estudantes falaram que quando sugeriram a realização de um toque, foram barrados”, expõe Ivete em entrevista ao LeiaJá.
À reportagem, a presidenta do sindicato salienta que a organização não é contra a realização dos IBs. “Todas essas acusações contra o Sintepe são ataques à escola pública. Esses parlamentares estigmatizam a juventude e as crianças pobres. Além de desgastar uma entidade sindical. Não somos contra os intervalos bíblicos, porém defendemos uma escola laica”.
O LeiaJá entrou em contato com a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE) para falar sobre o assunto. No entanto, até o fechamento da matéria, não tivemos retorno. O espaço segue aberto.
Intervalo bíblico no MP e Câmara
No dia 27 de outubro, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) realizou audiência pública sobre o ensino e práticas religiosas na rede estadual do Recife. Na ocasião, estiveram presentes estudantes, entidades estudantis, representantes da SEE, Sintepe, religiosos e parlamentares como Clarissa e Júnior Tércio, Cleiton e Michele Colins.
O evento foi conduzido pelo promotor de Justiça Salomão Abdo Aziz Ismail Filho. O magistrado iniciou salientando que o MPPE não é contra a prática, mas, que era necessário refletir sobre alguns pontos como a garantia de todas as religiões em um ambiente de respeito e tolerância.
Mesmo que de forma não proposital, o auditório do Colégio Salesiano, na área central do Recife, estava dividido entre os são favoráveis ao intervalo bíblico e os defensores da laicidade no ambiente escolar. Cada inscrito tinha cinco minutos de fala, podendo se estender por um minuto. A deputada Clarissa Tércio foi uma das primeiras a ocupar o púlpito.
Defensora dos IBs, a parlamentar afirmar ser favorável ao estado laico, “não laicista”. “O estado laicista persegue”, disse na audiência. A parlamentar também defendeu que os pais têm o direito de não quererem que os filhos participem de outras práticas religiosas, diferente da que seguem, nas escolas. “É meu direito, como mãe, não querer isso”, reforçou.
Tanto ela, quanto Michele Collins possuem projetos de lei (PL) que autorizam e asseguram a participação e realização dos intervalos bíblicos nas escolas.
Ainda nas primeiras falas, o evento foi cancelado porque um grupo de cerca de 80 pessoas, que chegaram após o horário de início, queria entrar no auditório. O espaço já contava com um quantitativo expressivo de participantes.
Logo, alegando uma questão de segurança e a pedido da própria instituição de ensino, o promotor de Justiça responsável pela audiência decretou o encerramento. Salomão Abdo Aziz garantiu que um novo evento em um lugar mais amplo. No entanto, até o momento, não há definição de local e data.