Cotista de medicina tem matrícula cancelada na USP por autodeclaração parda

Rapaz só soube do cancelamento no seu primeiro dia de aula

Cotista de medicina tem matrícula cancelada na USP por autodeclaração parda

Cotista teve a matrícula cancelada por autodeclaração parda. Foto: Reprodução/Facebook

Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos, teve sua matrícula cancelada no curso de medicina da Universidade de São Paulo (USP), após a banca de heteroidentificação negar sua autodeclaração como pardo. O rapaz só soube do acontecimento após o seu primeiro dia de aula, na segunda-feira (26).

O jovem de Cerqueira César, no interior de São Paulo, foi aprovado pelo Provão Paulista em medicina na USP como cotista de egressos da rede pública e autodeclarados PPIs (pretos, pardos e indígenas). 

Quando soube da aprovação, houve a comemoração da família e dos professores. A Escola Estadual Professor José Leite Pinheiro, onde estudou, divulgou a notícia nas redes sociais e pela cidade, com um outdoor. 

Porém, mesmo após a aprovação e pré-matrícula, Alison precisava comprovar sua classificação definida na escolha da cota. O estudante enviou os documentos junto de duas fotos para comprovar sua raça/cor e seu histórico na escola pública. Porém, recebeu um e-mail em seguida declarando que o mesmo “não logrou confirmar sua autodeclaração de raça/cor”.

A comissão de heteroidentificação da universidade, que serve para evitar fraudes nas cotas, convocou uma reunião virtual com o rapaz. Em denúncia ao jornal Folha de S.Paulo, a tia de Alison, Laise Mendes informa que “a reunião durou pouco mais de um minuto” e que “nenhuma pergunta” foi feita, ele apenas leu sua autodeclaração. Logo no dia seguinte, descobriu que tinha sido rejeitado outra vez. 

Alison dos Santos foi o primeiro da família a conseguir a aprovação em uma universidade pública e o primeiro aluno da sua escola a passar em medicina. O pai do jovem é identificado como branco, já a mãe, como parda. A mãe também sustenta a casa sozinha e trabalha como auxiliar de serviços gerais em um abrigo para crianças. 

A família acionou o Ministério Público de São Paulo (MPSP), em busca de um mandado de segurança para garantir a permanência do filho no curso. O LeiaJá tentou entrar em contato com MPSP, mas até a publicação desta matéria, não obteve retorno.

Posicionamento da USP

O LeiaJá conversou com a Universidade de São Paulo para descobrir como funciona o protocolo para alunos autodeclarados PPI (pretos, pardos e indígenas). Segundo a instituição, o funcionamento segue a resolução CoIP Nº 8287 de 2022. A análise do candidato é baseada por fatores fenotípicos, com verificação feita por fotos por duas bancas de cinco pessoas cada.

“Caso a foto não for aprovada por uma das bancas (por maioria simples), ela é direcionada automaticamente para a outra banca. Nenhuma banca sabe se a foto está sendo analisada pela primeira ou segunda vez, o que garante uma dupla análise cega das fotografias. Ao final do processo, se duas bancas não aprovarem a foto por maioria simples, o candidato é automaticamente chamado para uma oitiva presencial, no caso de aluno que ingressou pela Fuvest, e virtual, se for aluno aprovado pelo Provão Paulista ou do Enem”, declara a USP para o LeiaJá.

A entrevista da comissão de heteroidentificação, feita presencialmente ou virtualmente, não conta com nenhum tipo de pergunta sobre a vida dos participantes. É levado em consideração apenas a imagem e os traços fenotípicos, como cor de pele, cabelos, formato de boca ou de nariz.

“Para os candidatos do Enem e do Provão Paulista, foram feitas oitivas virtuais. Isso porque muitos desses candidatos moram em lugares muito distantes e a Universidade procura, assim, garantir condições para que candidatos de outras localidades tenham a oportunidade de ingressar na USP”, explica a assessoria.

A universidade detalha que, ao reconhecer cor da pele morena ou retinta, o nariz de base achatada e larga, os cabelos ondulados, encaracolados ou crespos e se os lábios são grossos, a banca sugere a aprovação da autodeclaração. Os alunos indeferidos pela cota, podem recorrer da decisão.

Após as fotos passarem pelas duas bancas, há uma oitiva. Caso o pedido seja indeferido, o estudante deve apresentar um recurso que será avaliado por uma terceira banca recursal, também formada por cinco professores da instituição. Os professores elaboram um parecer sobre o recurso, que é analisado por um conselho da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, formado por representantes de toda a universidade. 

“Ou seja, para a negativa definitiva, o caso do candidato é analisado por quatro grupos distintos. E este Conselho é a última instância sobre todos os casos”, detalha a universidade.

Ao serem perguntados pelo caso de Alisson dos Santos Rodrigues, a assessoria da USP enviou um posicionamento em que destaca que o estudante tinha uma “pré-matrícula condicionada ao resultado do processo de heteroidentificação”:

“Em relação ao caso específico do estudante Alisson dos Santos Rodrigues, a deliberação final se deu na última sexta-feira, dia 23 de fevereiro, e foi enviada no dia subsequente. Importante frisar que todos os candidatos que estavam com recursos sendo analisados sabiam que a matrícula estava condicionada ao resultado das bancas de heteroidentificação. O que o estudante tinha era uma pré-matrícula condicionada ao resultado do processo de heteroidentificação”, afirma a Universidade de São Paulo à reportagem.