Cotista de medicina tem matrícula cancelada na USP por autodeclaração parda
Rapaz só soube do cancelamento no seu primeiro dia de aula
fevereiro 29, 2024 - 6:10 pm

Cotista teve a matrícula cancelada por autodeclaração parda. Foto: Reprodução/Facebook
Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos, teve sua matrícula cancelada no curso de medicina da Universidade de São Paulo (USP), após a banca de heteroidentificação negar sua autodeclaração como pardo. O rapaz só soube do acontecimento após o seu primeiro dia de aula, na segunda-feira (26).
O jovem de Cerqueira César, no interior de São Paulo, foi aprovado pelo Provão Paulista em medicina na USP como cotista de egressos da rede pública e autodeclarados PPIs (pretos, pardos e indígenas).
Quando soube da aprovação, houve a comemoração da família e dos professores. A Escola Estadual Professor José Leite Pinheiro, onde estudou, divulgou a notícia nas redes sociais e pela cidade, com um outdoor.
Porém, mesmo após a aprovação e pré-matrícula, Alison precisava comprovar sua classificação definida na escolha da cota. O estudante enviou os documentos junto de duas fotos para comprovar sua raça/cor e seu histórico na escola pública. Porém, recebeu um e-mail em seguida declarando que o mesmo “não logrou confirmar sua autodeclaração de raça/cor”.
A comissão de heteroidentificação da universidade, que serve para evitar fraudes nas cotas, convocou uma reunião virtual com o rapaz. Em denúncia ao jornal Folha de S.Paulo, a tia de Alison, Laise Mendes informa que “a reunião durou pouco mais de um minuto” e que “nenhuma pergunta” foi feita, ele apenas leu sua autodeclaração. Logo no dia seguinte, descobriu que tinha sido rejeitado outra vez.
Alison dos Santos foi o primeiro da família a conseguir a aprovação em uma universidade pública e o primeiro aluno da sua escola a passar em medicina. O pai do jovem é identificado como branco, já a mãe, como parda. A mãe também sustenta a casa sozinha e trabalha como auxiliar de serviços gerais em um abrigo para crianças.
A família acionou o Ministério Público de São Paulo (MPSP), em busca de um mandado de segurança para garantir a permanência do filho no curso. O LeiaJá tentou entrar em contato com MPSP, mas até a publicação desta matéria, não obteve retorno.
Posicionamento da USP
O LeiaJá conversou com a Universidade de São Paulo para descobrir como funciona o protocolo para alunos autodeclarados PPI (pretos, pardos e indígenas). Segundo a instituição, o funcionamento segue a resolução CoIP Nº 8287 de 2022. A análise do candidato é baseada por fatores fenotípicos, com verificação feita por fotos por duas bancas de cinco pessoas cada.
“Caso a foto não for aprovada por uma das bancas (por maioria simples), ela é direcionada automaticamente para a outra banca. Nenhuma banca sabe se a foto está sendo analisada pela primeira ou segunda vez, o que garante uma dupla análise cega das fotografias. Ao final do processo, se duas bancas não aprovarem a foto por maioria simples, o candidato é automaticamente chamado para uma oitiva presencial, no caso de aluno que ingressou pela Fuvest, e virtual, se for aluno aprovado pelo Provão Paulista ou do Enem”, declara a USP para o LeiaJá.
A entrevista da comissão de heteroidentificação, feita presencialmente ou virtualmente, não conta com nenhum tipo de pergunta sobre a vida dos participantes. É levado em consideração apenas a imagem e os traços fenotípicos, como cor de pele, cabelos, formato de boca ou de nariz.
“Para os candidatos do Enem e do Provão Paulista, foram feitas oitivas virtuais. Isso porque muitos desses candidatos moram em lugares muito distantes e a Universidade procura, assim, garantir condições para que candidatos de outras localidades tenham a oportunidade de ingressar na USP”, explica a assessoria.
A universidade detalha que, ao reconhecer cor da pele morena ou retinta, o nariz de base achatada e larga, os cabelos ondulados, encaracolados ou crespos e se os lábios são grossos, a banca sugere a aprovação da autodeclaração. Os alunos indeferidos pela cota, podem recorrer da decisão.
Após as fotos passarem pelas duas bancas, há uma oitiva. Caso o pedido seja indeferido, o estudante deve apresentar um recurso que será avaliado por uma terceira banca recursal, também formada por cinco professores da instituição. Os professores elaboram um parecer sobre o recurso, que é analisado por um conselho da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, formado por representantes de toda a universidade.
“Ou seja, para a negativa definitiva, o caso do candidato é analisado por quatro grupos distintos. E este Conselho é a última instância sobre todos os casos”, detalha a universidade.
Ao serem perguntados pelo caso de Alisson dos Santos Rodrigues, a assessoria da USP enviou um posicionamento em que destaca que o estudante tinha uma “pré-matrícula condicionada ao resultado do processo de heteroidentificação”:
“Em relação ao caso específico do estudante Alisson dos Santos Rodrigues, a deliberação final se deu na última sexta-feira, dia 23 de fevereiro, e foi enviada no dia subsequente. Importante frisar que todos os candidatos que estavam com recursos sendo analisados sabiam que a matrícula estava condicionada ao resultado das bancas de heteroidentificação. O que o estudante tinha era uma pré-matrícula condicionada ao resultado do processo de heteroidentificação”, afirma a Universidade de São Paulo à reportagem.